ENTREABERTA (Moeda I - Cara)
Parado do lado de fora, ele observa pela porta entreaberta
e não vê o que ficou para trás.
Nem entende se ficara para trás
aquilo que não decidira abandonar.
A bem da verdade, permanecer parado ali
era uma dor que não sabia perder: ele ainda amava.
Talvez, imaginava ele, não amasse verdadeiramente;
talvez amasse a lembrança de lençóis desfeitos;
as louças deixadas na pia num Dia de Namorados;
amasse um certo cheiro inesquecível,
quando fechados os olhos,
fazia invadir sua memória de insuportáveis doces recordações.
Descalço, hesitava fortemente sair dali parado,
mas sabia que ventos fortes haveriam de empurrá-lo cedo ou tarde,
seja para dentro, seja para fora.
Nada mudava, mesmo que se entretivesse num canto melancólico qualquer.
Contudo, permanecer parado, olhando pela fresta de uma porta entreaberta,
sem pensar muito ou nem pensar, talvez,
fazia-o estranhamente reviver, não sem dor,
sem remorsos,
a desobrigada alegria que sempre tivera.
Ainda que mentisse para si, permanecia ali.
E parado ele observa pela porta entreaberta.
SOFREGUIDÃO DIMINUTA (Moeda II - Coroa)
“Que fazes parada neste galho sem folhas verdes?”
Queria saber da formiga gravosa. E é porque ela mantinha um olhar distante e perdido que fizera esta pergunta.
“Não vês, Natureza?”
“É a cigarra que tu criaste tão livre e tão alegre.”
“Se canta é porque ama.”
“Eu que me engano neste cotidiano imutável,
arrancando folhas destas árvores perfunctórias, a tal ponto de só repetir, miseravelmente,
gestos sociais e sem louvores algum.”
"Quis, no entanto, apenas amar, em lugar deste peito de formiga vazio de amores.”
É por isso, Natureza, que me tenhas como invejosa.”
"É que guardo neste frágil peito de formiga um lugar inabitável para o resto desta vida curta;
carrego-me, eu apenas, numa existência de passos ímpares.”
“Pior do que tal existência, é dar-me conta de quão faz-me falta estas cordas vocais dignamente sonoras.”
“Eu quero amar!”
“Não quero apenas notar no sombrio momento noturno a ausência dilacerante de um alguém qualquer.”
“Um dia, porém, subjugar-te-ei, Natureza. Acredito poder me envolver num casulo abandonado qualquer,
e dele sair quando for livre e alegre, tal qual cigarra.”
E no olhar de formiga brilhavam a esperança e a coragem. No olhar da cigarra, que de longe observava tudo, havia uma leve tristeza, porque ela invejava a formiga que não sabia o que era ter um canto solitário mesmo numa manhã de Primavera.
André Vidal