quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A SENHORITA E O MOÇO (D.R.)



Como começar uma história romântica? Na verdade não é uma história romântica. Não gosto desse termo. Dá-me a sensação de que será algo do tipo “água com açúcar”. Não sei denominar o estilo em que se enquadraria essa história. Tudo que sei é que não é romântica. Talvez seja aterrorizante, mas romântica não é. O problema é que agora me encontro num dilema: você ou outra pessoa que começar a ler o texto irá lê-lo sem nem saber do que se trata? Injusto! Mas o que posso fazer? Tenho que escrever e esperar que você se permita à leitura. Tenho que acreditar que você me dará crédito! Espero que leia até o final e decida por você mesmo qual é o “gênero” desse conto (crônica ou sei lá o quê). Ou melhor, irei apenas apresentar as personagens e depois cada leitor decide qual a melhor história para eles. Assim não terei mais compromisso com ninguém. Nem com vocês, nem com as personagens, nem comigo mesmo.
Imagine um lugar... Um lugar muito longe, onde não ouvimos árvores, onde não vemos o vento, onde não sentimos os pássaros. Nesse lugar, longe de tudo, onde só podemos chegar através do pensamento, existe uma figura que se adaptou, que praticamente se fundiu ao cenário apático. Essa figura conseguiu burlar o sistema capaz de travar desejos e se firmou no ambiente. Agora lá reside. Agora lá se concretiza. Agora lá existe, quase vive. Agora sim. Antes não. Antes, nada além de um espaço sem chão. De um chão sem firmeza, sem firmamento. Nem divino, nem plebeu, nem fogueira para embalar as noites quentes.
Como chegar ao lugar? Pra que chegar a esse lugar? Não me reterei a perguntas. Tenho que me concentrar nas ações necessárias. É necessário buscar meios.
“Uma barreira intransponível!” - diriam muitos. “Impossível!” – disseram muitos. Não me reterei a terceiros.
Tenho que me concentrar nas ações necessárias. É necessário buscar meios.
Imagine uma pessoa parada, neutra (como diriam os estudantes de teatro), sem expressão na face, sem semblante feliz, nem triste; nem semblante. Após muito tempo (não se sabe quanto: um século, um milênio ou um segundo) nessa posição, nesse estado, o lugar a sua volta se prepara para começar a nascer. E aos poucos vai nascendo, vai se desenrolando, vai surgindo de maneira quase incomum.
Mesmo depois de algumas existências, a figura principal se mantém inerte, inerente, esperando a hora certa de existir. E mesmo sem saber, já existe de fato. Não vive, mas existe. Talvez viva, por que não? Sim, a figura vive! Vive em sua mente. Tão brilhante e capaz que conseguiu chegar até onde se encontra no momento. Só vive lá dentro é bem verdade, mas há necessidade de viver em outro lugar? Não! Ou melhor, ainda não.
Após muito tempo (não se sabe quanto: um século, um milênio ou um segundo), começa a formigar um
semi-instinto, uma semi-agitação. Esse semi-incomodo se torna insuportável, pois antes... Nada, absolutamente nada interferia na sobrevivência. Talvez por isso, hoje, nesse instante, nesse exato milésimo que surgiu a inquietação (mesmo que semi), ela se tornou simplesmente insuportável. Antes era o nada! Hoje (agora), após a quebra desse delicado e perfeito estado de equilíbrio, surgiu uma incontrolável vontade e necessidade de voar. Mas para voar é preciso ter asas, mas para ter asas é preciso permitir-se possuí-las. E depois de finalmente as possuir, deve-se aprender a usá-las. E depois de aprender a usá-las, temos que olvidar os ruídos, as interferências que surgem aos montes (vindos de todos os lados, de baixo, de cima, de dentro)... Talvez a maior dificuldade seja ignorar o grito de dentro. Mas relembrando do estado inicial (aquele estado que veio antes mesmo do ser em questão conseguir ultrapassar as barreiras e chegar ao lugar citado no início do texto) a paz parece quase real.
Esse “matrix” ganha força e mais força. Desabrocha-se às pressas por temer perder a primavera e assume uma postura que jamais imaginou ser capaz. Decisões antes sub julgadas pelas formas matemáticas implantadas no seu chip, passam a aparentar hipocrisia. Ações se rebelam e assumem formas e agora um mundo se abre. Totalmente desconhecido, mas intrigante. Intrigante, suficientemente a ponto de se querer ir. E assim se permite ir. E assim vai, sem se saber pra onde.

Senhorita ou Moço



O que quer? Não se sabe.
O que tem? Inquietude de origem. Urgência! Pressa para concluir tud. Na press, as cois se perdem. Passam desapercebid e são engolid.
Às vezes uma fraude.
Romântico por engano.
O mundo na xícara.
Recém saído do bule, o fervor impede de tomá-lo. Não quero, não posso esperar.
Mas tenho que aguardar.
Não consigo me controlar.
Mas tenho que esperar.
Precipito-me e precipícios se apresentam. Não noto o cânion, por buscar a rosa e não noto a rosa por buscar a lua e não noto a lua por buscar buscas. Não notando vou vivendo e não noto que vivo. E por não notar; acabo sem ser notado. Nem por ela, nem por mim, nem pela vida.
O que quer? Não se sabe.
Não se sabe? Então descubra!
Nada entre o travesseiro e o universo. Nada entre as unhas dos pés e a ponta do fio de cabelo mais longo.
Por vezes triste, por vezes acreditando ser feliz.
“A felicidade consiste em achar que é feliz”. (Autor Desconhecido por mim).
Gosto de frases famosas, pois não sei produzi-las.
E essa em especial corrompe minha alegria quando suponho ser feliz. Percebo a falsidade de meu sorriso. Falso comigo mesmo. Malditos dentes à mostra.
E tentando vivo, ou existo. Conciso assim.

Moço ou Senhorita


Danilo Rangel

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

MOEDA AMBIVALENTE (A.V.)


ENTREABERTA (Moeda I - Cara)


Parado do lado de fora, ele observa pela porta entreaberta
e não vê o que ficou para trás.
Nem entende se ficara para trás
aquilo que não decidira abandonar.
A bem da verdade, permanecer parado ali
era uma dor que não sabia perder: ele ainda amava.
Talvez, imaginava ele, não amasse verdadeiramente;
talvez amasse a lembrança de lençóis desfeitos;
as louças deixadas na pia num Dia de Namorados;
amasse um certo cheiro inesquecível,
quando fechados os olhos,
fazia invadir sua memória de insuportáveis doces recordações.
Descalço, hesitava fortemente sair dali parado,
mas sabia que ventos fortes haveriam de empurrá-lo cedo ou tarde,
seja para dentro, seja para fora.
Nada mudava, mesmo que se entretivesse num canto melancólico qualquer.
Contudo, permanecer parado, olhando pela fresta de uma porta entreaberta,
sem pensar muito ou nem pensar, talvez,
fazia-o estranhamente reviver, não sem dor,
sem remorsos,
a desobrigada alegria que sempre tivera.
Ainda que mentisse para si, permanecia ali.
E parado ele observa pela porta entreaberta.



SOFREGUIDÃO DIMINUTA (Moeda II - Coroa)


“Que fazes parada neste galho sem folhas verdes?”
Queria saber da formiga gravosa. E é porque ela mantinha um olhar distante e perdido que fizera esta pergunta.
“Não vês, Natureza?”
“É a cigarra que tu criaste tão livre e tão alegre.”
“Se canta é porque ama.”
“Eu que me engano neste cotidiano imutável,
arrancando folhas destas árvores perfunctórias, a tal ponto de só repetir, miseravelmente,
gestos sociais e sem louvores algum.”
"Quis, no entanto, apenas amar, em lugar deste peito de formiga vazio de amores.”
É por isso, Natureza, que me tenhas como invejosa.”
"É que guardo neste frágil peito de formiga um lugar inabitável para o resto desta vida curta;
carrego-me, eu apenas, numa existência de passos ímpares.”
“Pior do que tal existência, é dar-me conta de quão faz-me falta estas cordas vocais dignamente sonoras.”
“Eu quero amar!”
“Não quero apenas notar no sombrio momento noturno a ausência dilacerante de um alguém qualquer.”
“Um dia, porém, subjugar-te-ei, Natureza. Acredito poder me envolver num casulo abandonado qualquer,
e dele sair quando for livre e alegre, tal qual cigarra.”
E no olhar de formiga brilhavam a esperança e a coragem. No olhar da cigarra, que de longe observava tudo, havia uma leve tristeza, porque ela invejava a formiga que não sabia o que era ter um canto solitário mesmo numa manhã de Primavera.


André Vidal

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

5 MILHÕES DE CESTINHAS (F.F.)



Era dia das bruxas - embora não parecesse. O dia estava gelado, no meu trabalho o ar condicionado estava muito forte. A manga comprida do meu uniforme nunca me foi mais útil. Eu trabalhava em um supermercado bastante visitado. O meu serviço era recolher as cestas de compras que os clientes deixam nos caixas. Já estava perto da hora de eu ir embora. Eu queria ir para casa assistir um programa na Discovery Channel sobre vida na selva. Meu chefe pediu para que eu recolhesse todas as cestas e depois estaria liberado. Fui todo alegre disposto a fazer minha última tarefa do dia. Foi nesse momento que me deparei com uma coisa: haviam cinco milhões de cestinhas.

No ônibus, a caminho de casa, um homem na minha frente estava lendo um jornal. Eu estava entediado, tinha esquecido o mp4 em casa - nem isso para me distrair. Na página de TV havia uma reportagem sobre o programa que eu iria assistir mais tarde, e com isso minha volta para o lar foi mais divertida e interessante. O dono do jornal virou a página antes que eu terminasse de ler a matéria, e parou na parte sobre Ações Filantrópicas. Falava sobre uma grande arredação de dinheiro feita por parte de atletas e que iriam ser doadas para instituições de caridades: Jogadores de futebol deram 2 milhões, os de vôlei deram 3 milhões e o lance mais alto foi dos melhores jogadores de basquete - 5 milhões, de cestinhas.

Cheguei em casa, tomei um banho, esquentei um pedaço de lasanha, e deitei na rede para esperar o programa. Ainda eram 19h, e o programa começava as 21h. 2 horas para me distrair. Encontrei um programa sobre escavações e povos antigos. Fiquei assistindo. No capítulo daquele dia contava a história de uma tribo que vivia no meio da Guatemala há muito tempo atrás. O apresentador do programa usava um capacete com uma lanterna embutida, com o qual ele conseguia enxergar ao entrar nas cavernas escuras daquele local. Nas paredes haviam umas inscrições estranhas, mas letras parecidas com o alfabeto usado atualmente. Só que as palavras não faziam sentido algum. Estava escrito: sah nits eced seoh lim oc nic.

21h. Meu programa começou. Billie Harding era o homem perdido na selva. Ele ficou sozinho na mata durante 2 meses e meio, sem suprimentos. Ele levou uma câmera com a qual filmou momentos incríveis. Aves, peixes, ursos, onças, lobos, javalis e todo tipo de animal foram registrados em vídeo. Ele contou como conseguiu sobreviver aos perigos, se proteger da imprevisibilidade do clima, e ainda sim, manter a sanidade - considerando a solidão que passava e a necessidade de interação com outros seres humanos, o que não tinha. O repórter perguntou como ele conseguiu comida: ele disse que se alimentava de animais. E ele conseguiu matar leões e que os guardava em vasilhas e cestinhas. O repórter perguntou se ele comeu os leões guardados em cestinhas. Ele respondeu: Sim, comi leões de cestinhas.


Frederico Formiga

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

AURORA (S.L.)



Hoje eu vi a manhã perfeita.
Faltou só quem,
numa cama desfeita,
me pedisse pra sair da janela.


Susanna Lima

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

FERNANDA - FEFFA (D.R.)

Feffa sempre foi faladeira, desde as fraldas. Sempre foi figurinha fácil. Festas eram seu forte. Fazia façanhas com as fermentadas. Sua face ostenta um semblante feliz... Feffa sempre faceira, fogosa, festeira. Fanfarrona por natureza e ficava furiosa se criticassem suas formalidades.
Mas essa fera fingida era uma falsária fabulosa. Fazia falcatruas com uma facilidade formidável. Feffa foi fazer fofoca e forjou fartação pra falir fábricas. Afanou a bufunfa e fugiu. Foragida, fingiu falar francês. Fartou-se de ser fâmula. Virou fidalga, comprou Ferrari e fazendas. Alfafa não faltava aos cavalos. Esbanjava nas futilidades.
Mas Feffa escondia uma fantasia. Seu fetiche por fantoches formigava, alfinetava seu peito. Foi flagrada fazendo um fantoche com farrapos. Fez-se de sonsa e afofou o “filho-boneco”, tentando fingir-se indiferente. Ao fim, o “filhote” da safada ficou pronto. Um fracasso! Fantoche feio e fedorento. Feffa, no entanto, ficou fascinada com sua obra. Falava com seu “Frankenstein” efusivamente. Volta e meia, desferia um safanão na figura. Tratava o fiel aliado como um familiar. Sua sanidade estava ficando frágil. Sentia falta do seu falecido cão. O enfezado fila farrista de nome “mofo”. Apesar do bafo, o animal fazia Feffa feliz.
Aff... No feriado de finados, fez farofa pro café e flambou figo.
S. Francisco, pai de Feffa, ficava cada vez mais encafifado com a filha. Ela começou a falar fanho e ficava imitando foca.
Feitiço! – falou Francisco. Afinal, Feffa fodeu famílias. Feitiço de alguém que foi furtado.
Sem forças, farto, fatigado, Francisco foi pra Floripa de férias da filha, que piorava a cada dia.
Feffa, tão fraca e fora de si, foi ver Fla x Flu e gritou: FOGO... Enfim... Depois dessa gafe, Feffa fugiu feito um felino. Afinal, se ficasse, fatalmente sofreria ferimentos, causados pela torcida. A fuga parecia filme! Porém, o filme foi feroz no final. Feffa feito foguete, forçou furar o tráfego. Ferrou-se! O furgão freou, mas o fusca... Foi fatal... Faleceu.


Danilo Rangel

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

LOLA (A.V.)


És tu, amado de minha alma,
que vem-me, à noite, feito tais estes calores que sinto atritados em minhas
pernas de moça?
Traze-me este anel ornado de vida?
Traze-me, com este caprichoso andar, o pedido solene que eu esperava desde menina?
Porque fui feita para ti, à imagem de Isolda, à imagem de Julieta.
Fui também ornada desde menina para um amado
demasiadamente viril, demasiadamente Romeu, demasiadamente Tristão.
Porque fui pega nos braços da vida e acariciada,
mesmo de olhos abertos,
ensinada a somente te amar e a sucumbir perante o som
de teu nome masculino, que nesta noite ressoa, aqui,
em meus ouvidos e em meu peito:
Oh Carlos, oh Carlos!
Sinto já que o mundo faz-me invadir o corpo
e provar o mel desse meu corpo alienado,
desse meu corpo intranquilo, desse meu corpo que não é meu,
porque foi criado para ser teu, e
desde menina, com aqueles vestidos amargos, fui
lembrada a querer-te, desde o dia que virias com este anel ditoso
para proferires aqui esta suposta felicidade que é mais tua que minha.
Mas digo-te, meu amado,
que tens o meu corpo,
o Inferno, a minha alma;
o mundo, estas minhas preces;
estas minhas rejeições, tem Deus.
Porque se eu, desde menina, pudesse escolher e dizer ao mundo
o que me alimenta, o nome que minha luxúria e prazer satisfazem,
não era teu nome que esses meus lábios puros hoje insistem querer dizer,
mas o dela que hoje, e somente hoje, to direi:
Lola, oh minha Lola!


Foto: as escritoras Gertrude Stein e Alice B. Toklas, que viveram juntas por 40 anos.

André Vidal

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O SENSOR HEREDITÁRIO (F.F.)




Enquanto o pavão corria cansado
No mastro, a bandeira fincada surgia
Trazendo planícies pro seu balançado
Comendo delícias, pra tua alegria

Jogando alfinetes no corpo docente
Dois pontos perdidos no meio da frase
Comiam um grande pedaço de pão
Titubeando e caindo da base

O sétimo estrago no papel alumínio
Amassado e roído por traças hostis
A praia lotada, faz do feriado
A casa da areia do povo feliz

Imagem lombada no pôster colado
No alto da porta do seu calhambeque
Me deixa intrigado o nosso telhado
No calor sinistro, utiliza-se o leque

Grão de feijão na bacia do pano
Enrugados por seu ventre traquinas
Quatro dedos não rasgam envelope
A barra de ferro rachou as esquinas

Barriga de grávida tornou-se souvenir
Pro gringo galego gozado
Que, enturmado com o bando de fanfarrões
Visita o rochedo abarrotado

E nisso, vai-se e vem-se, e vence
Vem si e dó se vai
Doído e deitado no berço eloqüente
O doido varrido pela enchente


Frederico Formiga

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

CIPÓ (S.L.)


(Para Myra Morena)
E os dias foram de risos fáceis, afetos levíssimos e marcantes, poucas horas de sono e nenhuma insônia ou mau humor. A liberdade inventada conferindo tranquilidade ao rosto. Horas passando com a calma que torna inesquecíveis os melhores momentos da vida.
A realidade, porém, não se apresenta como no sonho. O caminho é diferente, pesado, cinza-chumbo - céu chuvoso que pesa sobre os ombros e olhos.
Nos dias que se seguiram aos melhores, tudo como antes: pés que pisam pés, indignações multiplicadas, faces sisudas, quando não tristes. Beijos, ah, nem há tempo...
Roupas leves e molhadas de água doce, e tratada a cloro, dão lugar ao peso dos compromissos, ao desconforto do salto alto, ao aperto das gravatas, ao incômodo das pastas, à estupidez das conduções, à precisão dos horários, às reclamações pelos atrasos e afins.
A alegria, natural ou engarrafada, dá lugar às ressacas morais e diárias, ao encontro com os mendigos que, em hordas, ocupam as ruas, as praças, os viadutos, afirmando de modo patente nossa incompetência de gerir a vida, a sociedade, a política. (Veja, até os assuntos são pujantes...)
E eram peixes, pássaros e toda sorte de vida natural o que ocupava os espaços que meus olhos alcançavam. Árvores e muito ar puro. Madrugadas estonteantes, olhos em brilho de estrela.
Definitivamente, não é feliz quem vive apenas o real da vida. O real é pouco, falho, constrangedor, seco. O real não permite o bailado a dois, ou na companhia da lua.
O real só aceita dia e noite, convencionais, tomando a madrugada apenas para o sono - este por vezes acompanhado de relaxantes e ansiolíticos.
Há tanta vida, tanto mais além do real, do útil, do horário comercial. Percebo, só agora, que o sonho me prendeu naquele lado do tempo em que a vida seguia sem pressa.
Vejo muito mais com os olhos fechados.


Susanna Lima

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

BAÚ (D.R.)



Olhei as nuvens brancas do céu e vi como elas brincavam de desenhar lembranças. Lembrei-me de quando as nuvens eram negras e criavam tempestades. Lembrei de boa parte disso aqui.
Sim! Eu estive presente durante boa parte disso aqui. Estou próxima à origem da vida. Quanto tempo faz? Não importa muito. O que importa de verdade é o que me tornei com os novos relâmpagos de recomeço. O que importa é o que vocês podem vir a se tornar, se prestarem atenção na neve em meus telhados. Telhados que comportam um sótão aparentemente distante.
Cada caixa empoeirada guarda um segredo, que é compartilhado com aqueles que notam o carinho e a riqueza em meio às cataratas de meus olhares. A riqueza de uma inocência desmedida, capaz de criar monstros de palpitações. Capaz de confundir risos com rios. Capaz de ser belo em meio a tragédias. Capaz de simplesmente ser capaz.
Ah... Ainda sinto o cheirinho da chuva. Ainda ouço o barulho das crianças fazendo algazarras em frente a minha varanda. Se eu fechar bem os olhos, eu consigo ver toda a insegurança de um jovem adulto mergulhado em porquês e incertezas. Mesmo com tantas indagações, aquela criança de calças compridas me procurava com olhares afobados; perdidos. Só não mais perdido do que ele próprio.
E me encontrava; e se perdia ainda mais.
A andorinha que não conhece a rota para o sul se guia por outra que nem sabia da existência do verão.
Desventuras desvendadas no susto. Gaviões com fome de andorinhas sem rumo. Andorinhas controlando a ninhada.
Muitas dúvidas...
Hoje eu acho graça. Aprendemos juntos o caminho para o sul. Levo em minha bagagem as canções de passarinhos que você me ensinou.
Suei muito, suamos muito. Pegamos muita chuva antes de vermos o sol.
Vivemos a simplicidade de um mundo diferente. As épocas passam. Histórias se multiplicam e se renovam, mas certas coisas nunca mudam. Os olhares apaixonados são os mesmos. Os suspiros desperdiçados, a respiração ofegante, a tremedeira no corpo, o arrepio sem lógica.
E o sol continua queimando, mesmo estando de partida.
Agora se põe deixando para trás as marcas de queimaduras.
Hoje a profecia da Esfinge se concretiza.
A noite chegou e adquiri minha terceira pata.
O relógio se aproxima da meia noite.
Antes de dormir sonho com novas manhãs.
Deito-me e aguardo as badaladas.


Danilo Rangel

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

POLIFEMO (A.V.)



Deitado no fundo da grande caverna,
Vez por outra eu rolava para um lado e rolava para o outro, de onde uma luz estranha insistia em me ensinar coisas que nunca tinha aprendido.
Eu levantei, visto que nos pés nunca foram postas correntes, mas lá eu as queria existir.
Foi difícil sair do chão e mais ainda pôr-me de pé, coisa que nunca fizera antes, e ainda pior foi aquele estranho momento que uma das pernas movimentou-se para frente no primeiro passo e em seguida outros vieram.
Aquela luz ia crescendo, crescendo, até que, à boca da caverna, um sentimento dicotômico desafiou-me.
Quando percebi meu pé direito estava mais fora que dentro... na frente um calor, atrás um frio. Eu, então, percebi algumas verdades sobre mim que nunca notara antes: as mãos ágeis, os pés vivos, estava nu, e no mundo fora da caverna não existia nada.
Aliás, não nada, havia algo longe que não sei o nome, mas aproximei-me, ainda que lentamente, e ao rés do chão olhei-o, furtivamente. Era plano e movia-se compassadamente com brilhos e sons. Nesse instante sombrio notei que refletia desta superfície o rosto de alguém que eu nunca vira.
Levantei a fronte, olhei um lado, olhei o outro, para cima também e novamente para baixo. Ele me olhava da mesma forma que eu. Já não sabia quem imitava quem.
Abaixei-me para perto dele e toquei aquela superfície anímica que meu olho nunca vira antes. A imagem já distorcida turvou-se entre os meus dedos e o ser dentro daquele lugar não sabia se ficava, se fugia... não sabia se parava ou se movia. Fui para trás sob espanto e, caindo sobre meus joelhos, franzi a testa descontente. Pus as mãos no chão e voltei a olhar para ele e notei que dentro daquela imagem perturbada e geminiana não havia nada de novo, efetivamente. Era eu refletido numa superfície estranha às minhas mãos. Era eu e não me conhecia.
Não desejei, no entanto, desbravar nada mais daquele novo mundo. Olhei para trás e lá a caverna estava, para onde meus pés insistiram em voltar. Adentrei a escuridão lentamente. Relembrei aquele chão com os pés e a minha monoblepsia paradoxal e deliberada.
Este meu olhar unilateral faz-me depreender mais energia que desejo gastar, a fim de ver.
Deitei-me no chão com as costas viradas à porta, abri bem o olho e na escuridão monocromática voltei a sentir a paz de quem nada sabe e nada vê.


André Vidal

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A PROJEÇÃO (F.F.)


O texto “O Substituto dos Sonhos”, fala sobre a influência que o cinema exerce na vida das pessoas e o porquê delas buscarem esse tipo de espetáculo. Pelo fato da nossa existência ser desoladora, todos precisamos ter algo que nos faça esquecer, mesmo que temporariamente, esse vazio. Uma das opções para preencher esse vácuo pode ser o cinema que, através das imagens, mostra o que as pessoas têm desejo de presenciar. É uma verdadeira entrega. Uma entrega particular, numa sala escura. Os olhos atentos à projeção captam o que há de comum entre o espectador e aquelas imagens. Buscando uma identificação, buscando um refúgio para a alma. Para fugir da realidade vil que se contempla. É um sonho acordado. Um sonho que ludibria, que acalma, que emociona. Feito por pessoas, para pessoas – ambas sonham. É mais que sonho: é o substituto dos sonhos.
O texto me fez recordar um filme que retrata bem essa desolação do ser humano e a busca por algo que o preencha: “Beleza Americana”. Ele mostra várias pessoas insatisfeitas com seus trabalhos, com seus relacionamentos, com elas mesmas. Uma dessas pessoas é um garoto, de 18 anos, chamado Ricky Fitts, que vive carregando sua câmera e tem o hábito de filmar tudo o que lhe desperta interesse. Ele tem um pai durão e uma mãe desatenta, que não lhe dão atenção, e provavelmente esse vazio herdado em casa seja o catalisador para que ele queira registrar em vídeo tudo que poderia ser chamado de “vida” - e que o faça esquecer sua realidade penosa. Em uma parte do filme, ele leva sua namorada para assistir ao vídeo mais lindo que ele já filmou: um saco plástico vazio sendo arrastado por uma corrente de ar. Talvez ele se sentisse daquele jeito: um saco vazio sendo arrastado pela vida. Era a sua identificação.
A vida moderna exige muito do ser humano. Longas jornadas de trabalho, responsabilidades em casa, contas a pagar, problemas sociais. É estressante para qualquer um. É desolador, é vazio, é triste. O ser humano busca uma saída. E existem várias, o cinema é só uma delas. Uns optam pelo álcool, outros pela igreja, outros pelo futebol, outros pelo carnaval. O diferencial do cinema é que contém cenas carregadas com a essência da vida. Cenas marcantes, que podem dar um novo significado às particularidades de cada espectador. “Beleza Americana” consegue mostrar tudo isso de forma única e realista, fazendo com que até uma tragédia – a morte do personagem principal, Lester Burnham - seja interpretada de forma bela e redentora. É como se a vida fosse uma obra cinematográfica, e pudéssemos analisá-la de fora dela. Não é por acaso que a produtora do filme se chama Dreamworks.


Frederico Formiga

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

ABREM-SE (S.L.)


Abrem-se as comportas do pensamento livre, da multiplicidade, dos pontos de vista que convergem e são diferentes, do que afasta só para aproximar.
Abrem-se olhos de novidade ao silencioso encontro entre isso mesmo que somos: estranhos, alheios a nós, ao outro, ao mundo.
Abrem-se as palavras... esse mar vasto, infindo, em que, por vezes, sentimentos não cabem, e onde, por emoção ou desespero, faltam à boca.
Abrem-se as mãos para que se escreva o cotidiano como o vemos, permeando-o com o não percebido, ou forrando-o com o que saltou aos olhos, à memória, ou ao desejo - meu, seu, nossos.
Abrem-se os sonhos, para que se concretizem, se não no real, aqui, nesse espaço onírico, flutuante, que toca existências imanentes e supérfluas nessa imensidão de humanidade que o mundo, ou alguma solidão individual, encerra.
Abrem-se as sensibilidades variadas, que se permitem estupefaciar diante de um sorriso infantil, ou de uma lágrima de mais de 80 anos.
Abrem-se as nossas vidas à vida imaginada, porque poética, à ocasião proposta, porque casualmente combinada. Somos portas abertas. E para além delas está o que sua imaginação desenhar.

Susanna Lima

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Escritores Ocasionais

Olá pessoal,
É com muito orgulho que coloco esse blog no ar! Primeiramente, irei informar como funcionará esse espaço:
Esse blog servirá para escritores desconhecidos (ou escritores de ocasião, como costumo chamar) mostrarem seus trabalhos. Logo em seguida, será aberto um espaço para QUALQUER pessoa comentar sobre o texto.
O blog servirá como um fórum. Qualquer pessoa poderá fazer qualquer comentário! Lembrando que não é necessário que só se fale bem do texto. Como disse antes, esse blog é um espaço para debatermos de maneira saudável. Ou seja, ninguém é obrigado a gostar de nenhum texto. Mas, por favor, não precisa ser deselegante, não é mesmo?
Gostaria de ver coisas do gênero: "Gostei da parte tal, mas não entendi a frase tal."
Uma das coisas legais desse blog, é que cada escritor poderá responder aos leitores. Tirar dúvidas, informar o porquê de determinada passagem, ou coisas do tipo.
A disponibilização dos textos será da seguinte forma: Toda quinta-feira, às 22h, um texto novo (pode ser uma poesia, conto, crônica...) será inserido no blog. A semana servirá para comentarmos, ok?
Observação: reservo-me o direito de EXCLUIR qualquer texto ou comentário sem aviso prévio e sem informar motivo.

Agora os escritores ocasionais:

Susanna Lima - Formada em História pela UERJ
André Vidal - Formado em Letras Português/Latim pela UFRJ
Danilo Rangel - Jornalista
Frederico Formiga - Jornalista e Publicitário


QUINTA-FEIRA (20/09/2012), SUSANNA LIMA (A MENININHA DO GRUPO) VAI ABRIR OS TRABALHOS. O POST ESTARÁ NO AR ÀS 22H. AGUARDEM!!!