quinta-feira, 1 de novembro de 2012

LOLA (A.V.)


És tu, amado de minha alma,
que vem-me, à noite, feito tais estes calores que sinto atritados em minhas
pernas de moça?
Traze-me este anel ornado de vida?
Traze-me, com este caprichoso andar, o pedido solene que eu esperava desde menina?
Porque fui feita para ti, à imagem de Isolda, à imagem de Julieta.
Fui também ornada desde menina para um amado
demasiadamente viril, demasiadamente Romeu, demasiadamente Tristão.
Porque fui pega nos braços da vida e acariciada,
mesmo de olhos abertos,
ensinada a somente te amar e a sucumbir perante o som
de teu nome masculino, que nesta noite ressoa, aqui,
em meus ouvidos e em meu peito:
Oh Carlos, oh Carlos!
Sinto já que o mundo faz-me invadir o corpo
e provar o mel desse meu corpo alienado,
desse meu corpo intranquilo, desse meu corpo que não é meu,
porque foi criado para ser teu, e
desde menina, com aqueles vestidos amargos, fui
lembrada a querer-te, desde o dia que virias com este anel ditoso
para proferires aqui esta suposta felicidade que é mais tua que minha.
Mas digo-te, meu amado,
que tens o meu corpo,
o Inferno, a minha alma;
o mundo, estas minhas preces;
estas minhas rejeições, tem Deus.
Porque se eu, desde menina, pudesse escolher e dizer ao mundo
o que me alimenta, o nome que minha luxúria e prazer satisfazem,
não era teu nome que esses meus lábios puros hoje insistem querer dizer,
mas o dela que hoje, e somente hoje, to direi:
Lola, oh minha Lola!


Foto: as escritoras Gertrude Stein e Alice B. Toklas, que viveram juntas por 40 anos.

André Vidal

10 comentários:

  1. Que lindo, André! Tenho certeza de que vc será um escritor famoso ainda... Vc tem muito talento! Parabéns!

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  2. Esse texto foi simplesmente sensacional. Pois ele começou quase me convencendo de que se tratava de um amor entre um homem e uma mulher ao começar utilizando palavras masculinas. E parecia corroborar com o decorrer do texto. Mas no final o desfecho é surpreendente e mostra que na verdade o grande amor da personagem é a Lola. Muito legal. Parabéns por mais um sucesso...

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  3. Amor, sinceramente, não gostaria de ser a personagem que se esconde por trás dos próprios desejos. Ela simplesmente se mantem inerte diante dos acontecimentos.
    No fundo ela pouco se assemelha às personagens históricas que você cita, ela não tem a força e nem a impulsividades delas, o que resta é o conformismo, sofrimento e o desejo por alguém que não se sabe se foi tangível à ela.
    E essas são características do nosso tempo. Passividade, acomodação e ''anestesiamento'' diante de quase tudo.
    Bom texto. Facilmente utilizável se o foco fosse um personagem masculino. Assim, o texto alcança a todos, pois todos um dia já tivemos uma ''lola'' nos nossos desejos.
    Te adoro!

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  4. Sensibilidade literária. Crítica mordaz aos padrões de gêneros impostos socio-historico-culturalmente. Desconstrução de papeis femininos tão badalados na literatura como Julieta e Isolda que estão longe de transmitir toda a genialidade feminina. Sem falar da narrativa "malandra" que conduz o leitor a uma visão para então derrubá-lo. Enfim, amigo, um texto brilhante de alguém igualmente brilhante.

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  5. Nossa, adorei!! Super diferente!!!
    Também fui me "enganando" até chegar ao fim do texto...parabéns amigooooooooooo! Simplesmente demais!!

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  6. André, querido, esse texto é incrível! Ele nos dá um susto!! rsrs Enquanto eu lia, pensava no livro "Aritmética", da Fernanda Young, que, entre outras coisas, trata de aproximações e afastamentos de um casal (heterossexual, faz-se necessário distinguir). Porém, ao ler o nome Lola no final, nossa, minha cabeça quase deu um nó. Simplesmente porque não dá, lendo os primeiros versos, pra imaginar esse desfecho.

    Não posso adjetivar de outro modo! Sensacional!!

    Meu beijo!!

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  7. Amei. A intertextualidade foi fascinante na construção da surpresa final! Bj.
    Inês.

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  8. Queridíssimos, fico muito contente que vocês tenham gostado do texto "Lola". Posso dizer que nada de mim nasce por acaso; mesmo que demore muito, ao nascer tem um objetivo.
    Nath, muito obrigado por acreditar naquilo que demonstro com os textos que escrevo // Mike, vc está certíssimo ao perceber que o texto não fala de um amor de uma mulher por um homem, e, na verdade, o foco principal nem mesmo é o amor de uma mulher por uma mulher, mas o contexto social em que esse amor se materializa, focando necessariamente a porta estreita que esse amor encontra para manifestar-se, para exprimir-se por entre uma frecha tão apertada e sair, quando consegue sair // Edu, Du, Dudu, meu homem sensível e só meu, tua sensibilidade é notável. Falou muito bem! Eu só gostaria de dizer que é muito bom que a personagem-narradora não se assemelhe às personagens históricas mencionadas no texto. Perceba quem são Julieta e Isolda: são puras (virgens), frágeis (dependentes de uma figura heróico-masculina), submissas a uma ordem heteromachista. Estas personagens têm força, mas a força delas é um reflexo da paixão de Romeu e da paixão de Tristão. Existe um trilho onde esse sentimento possa se apoiar e fluir, mesmo tendo tantos transtornos, eles são puramente para ganhar força para a narrativa dos romances "Romeu e Julieta" e "Tristão e Isolda", de outra forma, as histórias contadas não teriam graça. Força-se um funil para esse amor, justamente para que esse amor seja romântico, digo isso pq o amor ROMÂNTICO depende, exclusivamente, do impossível para ser romântico. Quando tratamos de usar o tema ROMANTISMO estamos nos referindo basicamente a essa estrutura da literatura que visa estabelecer certos esquemas de improbabilidade para que o AMOR se realize em vida, por isso que nas duas histórias a morte chega... justamente para que esse amor se eternize. Então, nem Isolda, nem Julieta, são fortes e impulsivas verdadeiramente, são apenas manifestações alienadas e alienantes de um sentimento que precisa de visibilidade, crédito e trilhos com bastante óleo para andar // Jefferson, oh Jefferson, o que dizer de sua visão? Tu fazes falta em qualquer dia-a-dia. Obrigado pela leitura e comentário altamente clarividente. Seja sempre bem-vindo :D // Cinthya e Susanna, vocês sabiam que eu adoro enganar e adoro assustar as pessoas?! Acredito que uma obra de arte precisa causar certo desconforto na atualidade. Já houve tempo - às vezes é bom que volte esse tempo, a fim de refrigerar a gente - em que a obra de arte alivia o corpo e a mente, mas hoje é preciso assustar, pôr um espelho diante de nós e tentar - apenas tentar - driblar essa nuvem que há entre nós e o espelho e vermos uma imagem desconhecida de nós mesmos. Gosto de ser um ventilador diante dessa nuvem maldita! // Inês, fascinação é uma palavra muito boa. Se eu não puder fascinar, se não puder encantar, se não puder mexer com as pessoas, cortem-me os dedos :D
    Agradeço cada comentário,
    André Vidal

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