quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O SENSOR HEREDITÁRIO (F.F.)




Enquanto o pavão corria cansado
No mastro, a bandeira fincada surgia
Trazendo planícies pro seu balançado
Comendo delícias, pra tua alegria

Jogando alfinetes no corpo docente
Dois pontos perdidos no meio da frase
Comiam um grande pedaço de pão
Titubeando e caindo da base

O sétimo estrago no papel alumínio
Amassado e roído por traças hostis
A praia lotada, faz do feriado
A casa da areia do povo feliz

Imagem lombada no pôster colado
No alto da porta do seu calhambeque
Me deixa intrigado o nosso telhado
No calor sinistro, utiliza-se o leque

Grão de feijão na bacia do pano
Enrugados por seu ventre traquinas
Quatro dedos não rasgam envelope
A barra de ferro rachou as esquinas

Barriga de grávida tornou-se souvenir
Pro gringo galego gozado
Que, enturmado com o bando de fanfarrões
Visita o rochedo abarrotado

E nisso, vai-se e vem-se, e vence
Vem si e dó se vai
Doído e deitado no berço eloqüente
O doido varrido pela enchente


Frederico Formiga

14 comentários:

  1. gringo galego gozado
    vai-se e vem-se, e vence
    Vem si e dó se vai

    Aliteração em toda parte. uhahua'

    Muito legal, sério mesmo.

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  2. Frederico, antes que eu possa comentar efetivamente essa postagem, gostaria que nos revelasse as impressões ou experiências que deram origem à essa enxurrada de micro-cenas... Estou, ainda, atordoada com esse texto!

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  3. O texto fala sobre um casal de namorados que descobre que terão um filho. Na verdade, são dois, gêmeos.

    Vou explicar detalhadamente:
    01ª linha - O "pavão" é o modo como a mulher exibe a barriga grávida.
    02ª linha - A "bandeira fincada" é a nova geração que surge.
    03ª linha - "Planícies" refere-se à barriga da grávida.
    04ª linha - Grávida tem desejos de comidas.
    05ª linha - Fala dos bebês chutando a barriga como se fossem estudantes malcriados.
    06ª linha - "Dois" por que são gêmeos
    07ª linha - Se alimentando pelo cordão umbilical
    08ª linha - idem 7
    09ª linha - Mãe come sete sanduíches envolvidos com papel alumínio
    10ª linha - "Traças hostis" serve pra explicar a intensidade da fome dela
    11ª linha - O casal foi passar feriado na praia
    12ª linha - idem 11
    13ª linha - A mãe tem tatuagem na barriga (foto ilustração), o pôster é a tatoo
    14ª linha - O "calhambeque" é o ventre que leva os bebês, a "porta" então é...
    15ª linha - "Telhado" tem a ver com proteção de Deus, que "permite" que eles tenham filhos
    16ª linha - "Calor sinistro" seria os momentos difíceis.
    17ª linha - "Grão de feijão" seriam os bebês, "bacia do pano" é o leito da maternidade
    18ª linha - Fala dos dedinhos dos bebês que...
    19ª linha - ...sozinhos não saem do ventre (envelope)
    20ª linha - A "barra de ferro" é o bisturi, que acha um atalho pra sair de lá
    21ª linha - Depois que os bebês nasceram, a mulher se exibe na rua como um pavão
    22ª linha - Tornando admiração até dos gringos que visitam o Rio, na praia
    23ª linha - O gringo veio tirar férias
    24ª linha - E visita as favelas do Rio
    25ª linha - "Vai-se e vem-se" é o movimento sexual... O espermatozóide "vence"
    26ª linha - A felicidade veio, pois a "dó" se vai... Ou pode ser as notas músicais SI e DÓ
    27ª linha - O "berço" do bebê que, na verdade, conforta o pai...
    28ª linha - O pai feliz pela "enchente" (pelo líquido da placenta)

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. eu tive que remover pq não estava cabendo tudo, ai comecei publicando o fim em vez do início... mas tudo que escrevi segue abaixo ;)

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  5. Uma poesia pode parecer um labirinto do Fauno, às vezes. É como se você andasse e não chegasse ao fim, a um destino, a um objetivo, mas não é de fato assim. A poesia precisa ser lida e relida, relida de novo.
    "O Sensor Hereditário" é altamente imagético, fazendo aparecer tantas imagens e tão misturadas que fica confuso, que deixa a gente tonto... é psicodélico! Muitas vezes, por amarrar tanto e lançar sobre a poesia tantos nós, que fica humanamente improvável que um leitor, alheio ao contexto, consiga depreender todos os significados que o texto deve trazer. As perguntas "o que é isso?", "o que significa essa parte?" e "essa imagem alude ao quê?" ficam flutuando sem respostas.
    Ao analisarmos o título do poema (O sensor hereditário) notamos que um objeto sensorial tenta definir a origem, a composição biológica. Se fosse um sensor magnético serviria para identificar ondas magnéticas, se fosse um sensor climático, serviria para identificar o clima, se faz frio ou calor, se choverá ou cairá neve... dessa forma, "o sensor hereditário" tenta identificar as raízes biológicas que criam um novo ser, pois se é hereditário, temos uma reprodução vital: alguém reproduz biologicamente alguém. Quem? Mas quem não importa. Importa, porém, que esse ser reproduzido é fruto de um ato sexualmente reproduzível nos parâmetros da composição biológica.
    Na primeira estrofe um nó se funde tão grandemente com a imagem do pavão, do mastro e da bandeira por causa de dois pronomes, que levantam um mistério grandioso: "pro SEU balanço" e "pra TUA alegria", que resta ao leitor outra dúvida: que pontos de vistas estão presentes no discurso? O pronome "seu" é de terceira pessoa e o "teu" é de segunda. Logo, nota-se que fala-se de alguém para alguém. Se eu converso, por exemplo, com Pedro e digo: "Pedro, a Ana pegou o seu cão e saiu", ele entende que Ana pegou o cão dela e saiu, mas se eu digo "Pedro, a Ana pegou teu cão e saiu", o discurso já envolve outra realidade: "Ana pegou o cão de Pedro e saiu". Assim, se consideramos que coisas são trazidas para o balanço, temos que alguém traz essas coisas para alguém. Esse segundo alguém dentro da hipótese gramatical pode ser tanto o pavão como a bandeira:
    "Enquanto o pavão corria cansado//No mastro, a bandeira fincada surgia//Trazendo planícies pro seu balançado", mas não há resposta dentro do poema para isso.

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    1. Porém, logo no verso seguinte, ocorre uma quebra do discurso, da direção do discurso, ou seja, deixa de comunicar essa sensação de falar de algo, para falar algo a alguém especificamente, o que reforça mais ainda a dúvida, em lugar da certeza. Isso nota-se pelo uso do pronome "teu" que só é usado num discurso presencial em que o interlocutor está presente - eu falo com você em lugar de falar de você, como aconteceu na frase anterior "pro seu balanço". Em resumo, não consegue-se fechar essa conta: pro balanço de quem? pra alegria de quem?
      Ainda com nós, a segunda estrofe começa a partir de uma oração com gerúndio, amarrada sintaticamente à primeira estrofe. O sujeito desta frase - jogando... - acaba sendo o mesmo da frase - trazendo...- da primeira estrofe: "No mastro, a bandeira fincada surgia trazendo ...(e) jogando...". É a bandeira quem surge trazendo e jogando! É o primeiro alguém, o agente da ação. Mas ao final destas ações, de jogar e de trazer, surge um novo mistério: "Dois pontos perdidos no meio da frase//Comiam um grande pedaço de pão//Titubeando e caindo da base". Todo poema pode ser divido em movimentos. É como se ele tivesse um curso e, de repente, mudasse a sua direção. Neste ponto ocorre uma mudança de movimento, uma nova trajetória, mas a contar o mistério não desvendado do primeiro movimento, este novo também fica sem uma resposta inteligível. Não obstante, as demais cenas, os demais adjetivos e metáforas seguintes não são diferentes: "o sétimo estrago no papel alumínio", "imagem lombada no pôster colado", "grão de feijão na bacia de pano" etc, são problemas indesvendáveis no texto.
      Um ponto que alude a imagem sócia ao poema, e que talvez sirva para destrancar os quês relacionados em série nele, seja o verso "Barriga de grávida tornou-se souvenir". Aqui, pela primeira vez, pode depreender claramente a gravidez, e fazer uma ligação tanto com a imagem do poema, como com o título "O Sensor Hereditário". Mas, ainda assim, tornar todas as metáforas acima deste verso como alusão, mesmo que altamente anuviada, não tem muito sentido.

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    2. Por fim, na última estrofe, as aliterações reinam nos dois primeiros versos, trazendo uma musicalidade e sonância bem típicas das poesias dos séculos XVI ao XIX: "E nisso, vai-se e vem-se, e vence//Vem si e dó se vai". Este último movimento do poema de vai e vem - de alguma coisa se vai e alguma coisa se vem - ocorre após todas as etapas descritas acima. Interessante é notar a cacofonia produzida entre "vem-se" e "vence". É um roupante de luz no poema! Embora não seja de fato um fenômeno cacofônico, tem o mesmo princípio e traz uma nova realidade à palavra. Igualmente, a intensão dada a "vem-se" e "vence" é repetida no verso seguinte com "Vem si", mas "si" é pronome dativo, ou seja, objeto indireto (para si). Sua ocorrência neste trecho não é gramatical, mas deliberada, quebrando a regra da Gramática, a fim de manter o ritmo sonântico dos versos. Por outro lado, se manteria a mesma sonância com a conjunção consecutiva "se", mas ai o verso "Vem si e dó se vai" teria de ser reconstruído para "Vem, se a dó se vai" - não haveria problemas de conteúdo, de qualquer modo.
      Desde que li o poema pela primeira vez, tive em mente outro muito imbricado também: "Pobre Alimária", de Oswald de Andrade. Quando lemos este poema a primeira impressão que temos é "tem sentido isso?". Mas Oswald, geniosamente, levanta a marca de toda a construção brasileira das primeiras décadas do século XX e sua tentativa de correr na mesma velocidade que as potências industriais, tecnológicas e os avanços que as grandes nações daquela época estavam tendo (leiam Pobre Alimária). Assim, analisando cuidadosamente o poema com a realidade brasileira, consegue-se desvendar com muita felicidade cada traço do poeta, cada alusão, cada cena e toda sua propriedade. Lembro ainda que o célebre poema de Drummond, "No meio do caminho", fez levantar diversos intelectuais, a fim de desvendar o que seria a tal pedra no meio do caminho. Após tantas discussões e tentativas, Drummond apenas afirmou que não se tratava de nada além de uma simples pedra no meio do caminho.
      De qualquer forma, toda análise, toda leitura carinhosa sobre um texto, sobre um poema, advém da necessidade de que ele se comunique conosco e nos revele sozinho, associado a fatores externos ou não, sua intenção de existir.

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  6. Eu ia comentar alguma coisa, mas então li os comentários acima... Não me lembro o que ia comentar .-.

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  7. Acho que o comentário do André realmente bastou aqui. Hahahaha Interessante, era só uma pedra no caminho... Perfeito.

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  8. Fred, eu gostei muito do texto, apesar de não te-lo compreendido totalmente. Mas me parece que não há possibilidade de entende-lo por completo, pelo menos, não até você dar a colinha que está em um dos comentários acima. rsrs.
    Irei fazer duas breves citações sobre seu texto: a primeira refere-se a impressão que tive antes de ler suas justificativas. E a segunda já um tanto influenciado por suas explicações. rs

    1 - Seu texto mexeu comigo. Dispertou-me uma curiosidade em saber o que cada coisa queria dizer. Gostei da sonoridade que ele possui. Da rima, da métrica, de uma certa musicalidade. Imaginei em alguns momentos esse texto sendo recitado em uma peça ou coisa do tipo, como se fosse uma "passagem" de uma história maior. Tive algumas referências. São elas:
    A música "Sina" - Djavan
    Adoro essa música, mesmo nunca tendo compreendido 100% o que ele pretendia dizer com:

    "O luar, estrela do mar
    O sol e o dom, quiçá, um dia a fúria
    Desse front virá lapidar
    O sonho até gerar o som
    Como querer caetanear o que há de bom"

    Na primeira estrofe, você fala sobre "fincar a bandeira". Li essa parte e acreditei que ela possuia uma conotação sexual, como na música "Morena de Angola" - Sim André, do Chico. Duas frases com sentidos bem sexuais:
    "Será que no meio da mata, na moita, a morena inda chocalha". - O que será esse chocalho? rsrs

    "Será que quando fica choca põe de quarentena o seu chocalho". Nessa frase, a morena "choca" representaria uma mulher grávida, que pode ter relações sexuais.

    2- É bom saber como um texto foi pensado, mas confesso que suas explicações me deram uma firmeza e frieza que eu não curti. Tiraram um pouco do encanto enigmático do texto. Deram chão (base) a um texto, que a meu ver não tem essa proposta.

    Gostei muito do texto. Parabéns!

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  9. Então, Frederico, demorei a vir postar um comentário. Quem não se intimidaria com o mega comentário do André, não é verdade? Mas, enfim, só posso dizer o que já disse antes, em algum outro lugar: esse texto é surpreendente! Parece uma daquelas mensagens ultra-secretas, que apenas duas pessoas são capazes de codificar, ou algo do gênero..rsrs.. Me lembrou, antes da sua explicação, as linguagens do filme O Código Da Vinci - óbvio, que, guardando as devidas proporções.

    Não posso deixar de dizer que, com sua explicação, o não-saber desaparece, mas a sensação causada pelo texto, não..rsrs

    Bom, é isso.
    Beijo.

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  10. Freed ficou show sua poesia eu boiei em algumas partes mais depois li a sua explicação muito massa. Ta de parabens

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